Saturday, August 26, 2006

O Movimento Zapatista e a Outra Campanha

Entrevista com John Holloway

Nascido em Dublin, na Irlanda, John Holloway doutorou-se em Ciências Políticas pela Universidade de Edimburgo, Escócia, onde lecionou de 1972 a 1998, tendo-se diplomado ainda em Altos Estudos pelo Collège d’Europe. Transferido em 1993 para a Universidade de Puebla, no México, Holloway entrou em contato com a experiência zapatista e vislumbrou nela a possibilidade de ver rompida a gaiola global do poder imperial do capital. Atualmente, é professor no Instituto de Ciências Sociais e Humanidades da Universidade Autônoma de Puebla, no México. IHU On-Line realizou duas entrevistas com John Holloway, publicadas na 89ª edição de 12 de janeiro de 2004 e na edição 129ª de janeiro de 2005. Na mesma edição, consta uma resenha do livro do autor Mudar o mundo sem tomar o poder. São Paulo: Viramundo, 2003. Na edição 104ª , de 7 de junho de 2004, publicamos um resumo da referida obra. Holloway, que foi entrevistado por e-mail, é também autor de, entre outros livros, Marxismo, Estado y Capital. Buenos Aires: Tierra del Fuego, 1994; Zapatista! Reinventing Revolution in Mexico (com Eloína Peláez). London: Pluto Press, 1998; Keynesianismo, una peligrosa ilusión. Buenos Aires: Herramienta, 2003.

IHU On-Line - Como o senhor avalia as mudanças pelas quais passou o Movimento Zapatista?
John Holloway - A Sexta Declaração e a Outra Campanha são passos fundamentais no desenvolvimento do Zapatismo. Os zapatistas saíram de sua área de Chiapas e as andanças atuais do subcomandante Marcos (Delegado Zero) por todo o país é o primeiro passo para a dinamização de outro tipo de política em todo o país. Pela primeira vez, estão dizendo explicitamente que seu movimento é anticapitalista e não somente contra o neoliberalismo, e que sua luta é de todos que estão contra o capitalismo e não somente uma luta indígena. Creio que o que estão fazendo atualmente é único no mundo e de uma importância fundamental não somente para o México, mas para o mundo inteiro. Obviamente é um caminho difícil e complexo.

IHU On-Line – As mudanças de estratégias do Exército Zapatista poderiam ter levado o Movimento para uma institucionalização e desvio do carisma original?
John Holloway - De maneira nenhuma. A outra campanha é, na realidade, um movimento de desinstitucionalização, uma abertura bastante arriscada. Não acredito que haja uma perda de carisma, mas sim, possivelmente, um processo de desmistificação deles próprios que me parece muito saudável. O fato de Marcos participar em reuniões públicas todos os dias o faz menos misterioso talvez e sobretudo nos enfrenta diretamente com nossa própria responsabilidade no processo de rebeldia. Já não é possível pensar nos zapatistas como “eles”, um grupo de indígenas aí na cidade de Chiapas, já não há pretexto: os zapatistas somos um “nós” que queremos mudar o mundo.

IHU On-Line - Sua tese de “mudar o mundo sem tomar o poder” se confirma com as mudanças políticas no Continente ou ela está sendo revisitada?
John Holloway - Acredito que é obvio que o futuro da humanidade depende da abolição do capitalismo e a criação de um mundo baseado em relações sociais radicalmente diferentes. Isso não pode ser feito pelo Estado simplesmente porque o Estado é uma forma de organização totalmente integrada ao capitalismo, uma forma de organização que exclui. A única forma de conceber uma revolução anticapitalista é com a construção de fazeres e formas de organização anticapitalistas e anti-estatais. Com isso não quero dar importância às mudanças políticas atuais no Continente. Os triunfos eleitorais dos partidos de esquerda são resultado do recrudescimento das lutas sociais em toda a América Latina. Os governos podem introduzir reformas que tenham certo impacto nos níveis de vida das pessoas (e isso sim é importante), mas não creio que possam parar as dinâmicas do capitalismo que está destruindo o mundo. A relação destes governos com as lutas sociais é bastante complexa. No geral, a eleição de um governo de esquerda tende a enfraquecer e desmobilizar as lutas sociais, mas não sempre é assim. Mas, finalmente o importante não é como conseguimos mudanças no capitalismo, e sim como criamos outro mundo, e isso não vai ser pelo Estado.

IHU On-Line - Ainda haverá eleições em diversos países da América Latina. O que podemos esperar na melhor das hipóteses?
John Holloway - A melhor das hipóteses seria que continue o recrudescimento das lutas anticapitalistas, que ganhem os partidos de esquerda, que os governos de esquerda não consigam controlar as lutas, que os movimentos lhes imponham aos governos a obediência à vontade das populações e que se dissolvam as formas de organização que conhecemos como Estados. Mas, na verdade, acredito que não há muita relação entre eleições e “a melhor das hipóteses”.

IHU On-Line - Onde encontramos, em nosso continente, sinais de mudança sejam elas sociais, econômicas ou políticas?
John Holloway – Encontramos mudanças por todos os lados. No fato de você estar realizando esta entrevista, no fato de alguém a estar lendo neste momento. É claro que há movimentos muito importantes por todos os lados, mas o mais importante é o “Já Basta!” individual e coletivo de que todos compartilhamos.

IHU On-Line - O maior problema de nossos governos está nos rumos da política econômica?
John Holloway - O problema maior dos governos em todo o mundo é que sua constituição como governo os opõe às pessoas e à mudança radical da sociedade. O problema maior dos políticos é que são políticos.

IHU On-Line - O senhor é um pouco irlandês, um pouco escocês, mas mora há muitos anos no México, sente-se latino-americano? O que isso significa?
John Holloway - Nasci na Irlanda, morei muitos anos na Escócia, estou há mais de quinze anos morando no México. Sinto que tenho muita sorte de estar vivendo numa parte do mundo (América Latina) que, neste momento, é enormemente criativa e rica em inspiração para as lutas do mundo inteiro.

IHU On-Line - Quais são os caminhos que a América Latina deveria tentar mais?
John Holloway – Mas está fazendo tudo. Há uma riqueza enorme de caminhos e lutas que nós temos que aprender a escutar e ver.

IHU On-Line - Quem vai ganhar as eleições no México?
John Holloway - Creio que há uma possibilidade real que ganhe López Obrador nas eleições mexicanas de julho. Espero que sim, porque o triunfo de qualquer um dos outros candidatos seria terrível. Há governos maus e governos piores, e em geral os maus são preferíveis aos piores. A mesma coisa pode-se afirmar dos governos no Brasil e Uruguai. Mas o importante não é a questão das eleições, e sim como podemos romper com esta dinâmica terrível do capitalismo que está destruindo a humanidade em todos os sentidos da palavra. O importante é construir outro tipo de política, e isso é o que os zapatistas estão tentando fazer e promover com a outra campanha.


O movimento zapatista vive uma nova fase. E lança mão de uma nova estratégia. Em junho de 2005, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) divulgou a Sexta Declaração da Selva Lacandona, abandonando a busca do poder pela via eleitoral e apostando na consolidação da sociedade civil para pressionar o Estado, seja qual for o partido no governo. (Nota da IHU On-Line).
No dia 2 de janeiro de 2006, um comboio zapatista saiu em turnê na busca de difundir a Outra Campanha, uma iniciativa extraparlamentar "desde baixo e à esquerda" que pretende se contrapor às campanhas eleitorais para a presidência do México. A anticampanha quer construir uma ampla coalizão que congregue grupos rurais e urbanos em torno de uma plataforma "anticapitalista e de esquerda". (Nota da IHU On-Line)
O Movimento Zapatista inspirou-se na luta de Emiliano Zapata contra o regime autocrático de Porfirio Díaz que dencadeou a Revolução Mexicana em 1910. Os zapatistas tiveram mais visibilidade para o grande público a partir de 1 de janeiro de 1994 quando se mostraram para além das montanhas de Chiapas com capuzes pretos e armas nas mão,s dizendo Ya Basta! (Já Basta!) contra o NAFTA (acordo de livre comércio entre México, Estados Unidos e Canadá) que foi criado na mesma data. O movimento defende uma gestão democrática do território, a participação direta da população, a partilha da terra e da colheita. (Nota da IHU On-Line)
Nova alcunha do subcomandante Marcos, líder do movimento Zapatista. (Nota da IHU On-Line)

Andrés Manuel López Obrador (1953): é formado em Ciências Políticas e Adminsitração Popular. Obrador é o político de centro-esquerda que encabeça as pesquisas das eleições presidenciais em 2006, com uma plataforma que pretende resgatar a dignidade do México. (Nota da IHU On-Line)

No comments: